Pular para o conteúdo principal

Poppersy



toda exuberância do reino do estranho urbano figurava-se ali, não só pelos que exibiam novas matizes sexuais no palco mas pelo público também. Era a extrema interação.
Noite de segunda. Apenas a porta de saída da balada gay Family Bar da K. Road em Auckland estava aberta. Aquela rua era o reduto da marginália kiwi na semi-capital da Nova Zelândia.
O que me fez crer que havia movimentação no bar àquela hora foi a menina de saia-cinto, breaca, com o nariz de chafariz sangrento (desculpa o mal-gosto...) e blusa furta-cor, que com o corpo descalso, investiu contra mim: “what are you lookin at, bitch?!” As duas capangas ao lado cantavam “yeah!” comprimindo os lábios.
Os olhos do segurança sorriam por entre a porta cerrada. Perguntei quanto era para entrar. Ele descerrou um pouco, olhou-me bem com brilho esmeralda e indagou com forte sotaque maori “how drunk are you today?” abrindo a porta e liberando a passagem com sorriso de ouro. Eu disse “not much. Not as much as I wanted”.
Na escadaria esfumaçada senti penetrar agressivamente as narinas o odor de bálsamo nítrico - entrara no globo de acrílico. Kap Bambino urrava “Dead Lasers” nos falantes.
Integrei-me imediatamente à massa uniforme que fazia pulsar o lugar. Uma russa de coque com botas azul, branco e vermelho, longas até o joelho e shorts minúsculo de vinil pulava e conversava com o holofote. Um grupo de gays maoris seminus faziam posições de yoga e mostravam a língua ameaçadoramente.
Eu dançava alucinado, alcoolizado, como se não houvesse amanhã na terra da grande nuvem branca. Tocava e era tocado por homens e mulheres coloridos. Cheiro de popppers estava no ar, evaporando pelos buraquinhos. Via-se um ente dançando e em outro momento simplesmente fechando os olhos e derretendo.
No canto do olho, no colo daqueles répteis feéricos, eu via flashes. Aquela casa dançante era a floresta enclausurada. Totens gigantes de chiclete distribuíam sexo em pastilhas.
“Resistence Alpha” me sugava e me cuspia violentamente. Eu era parte da massa, pertencia a eles e estava seminu!!!
Alguém me disse: “a polícia não vem”, então escorri pelo chão.
Pêlos e pele fluídos e toda a descarga selvagem. Dos poros galhos perfuravam, escandalizavam, trasbordavam sorrisos suados. Mesmo o segurança ostentava, por trás da porta, um sorriso canastra.
Sinto que sou o único quando a face do balconista se desconstruiu privativamente para mim ofertando-me blood-mary por conta da casa. De alguma maneira alguém quer mesmo que a gente pire por estas paragens.
O sol nasce e se põe por trás das luzes diminutas que flutuam no teto xadrez gotejante sob o som de delay.
Raios rosa-pink e amarelos sorriem de seu estandarte imaculado incitando-me à ascenção. Tudo é angélico e puro em sua natureza pagã.
Reparo em bromélias nas paredes e que ilumino quando foco. Elas crescem devagar... É devagar que o corpo na máscara do Pacífico me convida ao banheiro (e só quem manja de poppers sabe). Ali presencio a abertura do buraco negro de onde vim.

Creative Commons Licence
Poppersy by Octavio Brandao is licensed under a Creative Commons Attribution-NonCommercial-NoDerivatives 4.0 International License.
Based on a work at http://tavernadaamnesia.blogspot.co.nz/.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

"inspirado por Mike Flanagan" - por Vinícius Moraes (Filósofo e grande amigo!)

 “- O que acontece quando morremos? - Falando por mim mesma? - Por você mesma. - Eu mesma. Esse é o problema. É esse a base de todos os problemas. Essa ideia, “nós mesmos”. Não é essa a ideia. Não é essa a resposta. Não é. Como fui esquecer isso? Quando esqueci? O corpo morre célula por célula. Mas os neurônios continuam em atividade. Pequenos relâmpagos, como fogos de artifício, achei que ficaria desesperada ou com medo, mas não sinto nada disso. Estou ocupada demais. Estou ocupada demais neste momento. Me lembrando. E claro. Eu lembro que cada átomo do meu corpo foi criado em uma estrela. Essa matéria, este corpo, é basicamente espaço vazio. E a matéria sólida? É apenas energia vibrando bem devagar, e não há um “eu”. Nunca houve. Os elétrons do meu corpo dançam e se misturam com os elétrons do chão embaixo de mim e do ar que já não respiro. E eu lembro que não existe um ponto onde tudo isso acaba e eu começo. Eu lembro que sou energia. Não memória. Não um “eu”. Meu nome, personal...

Zeitgeist

Não ao capital simbólico! Não ao valor agregado! este silêncio de fones de ouvido este desmesurado senso estético, esta escola televisiva este barulho que não deixa pensar, criar, esta corrente atando-me a ti que te faz não me querer este maquinário sóbrio e esses guardas do nariz torcido. Você me quer de que jeito? Que sou tão inútil quanto um monolito não amoldável Ocupo espaço nas víceras do sistema Como nódulo inoportuno. eu sou a ânsia pela abominação e não apenas morna recusa instigo asco ao mero nojinho a morte venérea à pornografia polida, ensaiada, de atos premeditados vendida como trangressão. Aliás a transgressão, a estampada em lancheiras, - antecessores das marmitas - de superfície, e tudo aquilo faz barreira, o sagrado e a glória de viés oportunista, a estes mendigos de significância, a eles o torpe inominável, a eles nem mesmo os antônimos, carregados de potência mas de inverso valor, a eles a nulidade à revelia. Pois é ch...

"In The Couch Fields /Mental Disaster/" - The PsychoCine Project

  "In The Couch Fields /Mental Disaster" - The PsychoCine Project   (Youtube) Music by Rodrigo Coura, Eduardo Rosseti and Octávio Brandão Editing/Mix/Master by Rodrigo Coura, Eduardo Rosseti Lyrics and voice by Octávio Brandão Video Editing by Octávio Brandão www.thepsychocineproject.com This work is licensed under a Creative Commons Attribution-NonCommercial-NoDerivatives 4.0 International License.