Não há nada além desse suicídio diário morno. Nada podeira ser significativo e que sobreviva entre observações ao espelho de que a franja, outrora farta e com um redemoinho vigoroso, está escasseando e dentro em breve se tornará uma testa árida. Desse desespêro de acordar de ressaca sem saber o que fiz na noite passada, mesmo sabendo que nem ébrio o espírito ainda nem guarde mais nem um pouco da juventude indômita. Há apenas uma rebeldia opaca, já doutrinada, amansada pela sensatez religiosa.
“Doc, i've been drinking in a suicidal fashion so... I know I am not a doctor but according to what I've seen could be steatohepatitis as my liver is not processing fat and there are pieces of it in my feces...” Esse despertar para voltar a dormir acordado, e olhar o travesseiro já com saudades, sabendo o dia ter sido programado previamente para ser uma merda, saber de antemão que vou me frustrar, amaldiçoar a Humanidade, querer fugir de tanta encheção de saco e de tudo que potencialmente pode me prejudicar para o resto dos meus dias, dessa hipocrisia, esse circo perigoso na qual se organizou a sociedade
Sentir remorso de tantas vezes ter gritado minha verdade ao microfone e a voz soar engraçada, fugir ao controle, e então, já nu, (mais tantas outras vezes) forçar a natureza para ver o limite membranoso e terminar num hotel sujo, deitado perto do encanamento mofado. Quantas vezes não marquei a alma como alguém que machuca a madeira com faca no mesmo lugar incessantemente, - alusões ao meu descontrole hedonista - e, alcunhado pederasta, tarado, marginal, besta social, nessa ferida incicatrizável que me acorda e me nina.
Quão arrebanhável e feliz seria eu se não houvesse a empatia com quem sofre, como o animal que mesmo chutado e tumorado, adoecido, sangrado em nome de Alá, cujo fumos de sua carne agradam a um louco deus fanático e caprichoso e, ainda assim possa olhar seu verdugo com amor e incompreensão, misturado ao medo e à tristeza de se saber condenado mesmo antes de nascer. Acorrentado eternamente e sem descanso a maldade criada à Sua imagem e semelhança e que a mim tem só desprezo e preconceito. Eu que no momento crucial fui chamado à sua presença e preferi a eternidade de um gozo momentâneo ao gôzo incerto de um futuro sempre ausente. Eu que tenho sentido gosto de esperma em copos de chá de camomila e achado engraçado, mas tenho sido maldito e maculado a inocência. Que tenho visto a infância agonizando, minguando, morrendo de inanição.
Eu que tenho buscado a droga aceitável nas mídias sociais para me engajar à minha época. Que tenho me masturbado de forma criminosa, que não fui aceito no clube da Humanidade, tendo meu título sido negado.
Não há nada além dessa falta de tempo para se viver, essa vontade de encher a cara, essa ameaça rotineira de um dia pegar a carcaça e me perder entre a prostituição e drogas das noites da Tailândia - me perder eternamente - , porém sendo restringido pelo amor de minha mãe, ao sentimento de amargura de tê-la feito sofrer tanto, ter-me internado, perdido noites de sono, tardes de trabalho duro indo a psiquiatras, e agora sentir que devo deixá-la ir primeiro à condená-la com o saber-me eternamente ausente. E assim mais uma vez espero consternado pela minha vez...
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