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Crítica primata-mata


O chimpanzé entrou na sala com um caderno de notas embaixo dos braços. Vestindo camiseta azul-clara, calça marrom-escuro e chinelos amarelos, ele se sentou, pôs o óculos, cruzou as pernas pousando o caderno sobre o colo, olhou satisfeito a tevê desligada por cima dos óculos e começou: "música pop é composta de letras de sexo, fácil digestão e altamente apelativa para que possa atingir o maior número de pessoas, para ser tocada nas danceterias, lugares construídos para captar dinheiro por meio da venda de bebidas..."
Pondera, olha o teto, suspira, dá um tempo e continua.
"... Por sua vez as empresas de bebidas pagam publicitários e espaço na mídia, que também está enxarcada de música."
Coça uma a cabeça com uma careta. Arranca um teco de casca de ferida com um pouquinho de carne atada e, com lágrima nos olhos, cheira-a e trinca-a entre os caninos já meio quebrados.
"... para divulgar a bebida e a balada todos eles pagam taxas ao governo. Além disso, membros do governo possuem empresas rentáveis que também se beneficiam. Ao que permite esse tipo conjunto de atividades  dá-se o nome de democracia e liberdade, conceitos defendidos pelos novos romanos do império selvagem capitalista..."
Espirra. Espirra de novo. Arranha a garganta e continua.
"...este governo que é contituído de gente cujo único interesse é enriquecer às custas de benefícios políticos a poucas grandes empresas, que por sua vez são propriedade de um pequeno grupo de famílias tradicionais, as mais milionárias do mundo. Essas mesmo que monopolizam os bancos, a indústria alimentícia, agrícola, petrolífera e midiática."
Observa-se no espelho oval de moldura dourada, centralizando seu rosto no meio da parede verde.
"...o povão é a força motriz dessa indústria de produzir luxo, este que é mantido ignorante prestigiando instituições de ensino que seguem a cartilha do novo parasitismo à risca formando mais trabalhadores do que seres-humanos íntegros e pensantes. Consumidores vorazes e inconscientes, que consomem cada vez mais álcool, sexo e música ruim para destruir-lhes o espírito enquanto procuram uma fuga de suas vidas sem sentido e/ou significado."
Levanto-me, jogo o óculos longe e me jogo pelo espelho.
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Crítica primata-mata by Octávio Brandão is licensed under a Creative Commons Attribution-NonCommercial-NoDerivatives 4.0 International License.
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